
“Nas sociedades modernas e industrializadas, o tempo que dedicamos a tarefas para descansar o corpo e a mente é cada vez mais reduzido, senão inexistente”.
Esta descrição dos dias de hoje é feita pelo psicólogo clínico Álvaro Ferreira. O médico vê a acumulação das responsabilidades do emprego (habitualmente a tempo inteiro) associado ao desempenho das tarefas domésticas. Ainda, relacionam-se com o cuidado dos filhos como consumidoras de todo o tempo que se tenha.
Segundo o especialista, que exerce no Hospital CUF Descobertas, em Lisboa, este ritmo leva a que “o corpo comece a ficar desgastado. Mesmo quando ‘em descanso’, a mente não consegue ‘desligar-se’ das preocupações diárias. Daí facilmente se chega a um quadro de exaustão física, mental e emocional, com sérias consequências para a saúde. A realidade é ainda mais grave no caso das mulheres. É pois o sexo feminino que comummente acarreta a grande maioria das tarefas domésticas, diz o especialista.
Mas o que é a exaustão?
“No que se refere à sua etimologia, ‘exaustão’ liga-se à noção de vazio. Transpondo para uma visão clínica, associa-se a ‘perda’ ou ‘falta’, explica o especialista que associa esta noção à psicologia laboral, nomeadamente a ideia de burnout. Este é um conceito cada vez mais comum, que se descreve como síndrome de exaustão profissional. Aliás, está tão presente nos dias de hoje que a Organização Mundial de Saúde já classificou o problema como doença.
Mas a especialidade médica que trata estes casos é bem mais abrangente e multifatorial. Aos olhos de Álvaro Ferreira, a exaustão “está estreitamente ligada à patologia da ansiedade. Tal traduz-se muitas vezes em processos depressivos” que não se ficam pelas questões laborais.
A exaustão refletida no corpo
Não só ansiedade e depressão resultam da exaustão. Pelo contrário, os seus sinais são psicofisiológicos e desenvolvem-se por ambas as vias. Ou seja, “a extrema fadiga física promove a extrema fadiga psíquica e esta mantém e agudiza a primeira”, diz o psicólogo, que resume assim tais consequências como um ciclo vicioso.
Para abordar este outro lado, o das consequências físicas, a Women’s Health falou também com Filipa Costa e Jorge Almeida, ambos personal trainers do clube Holmes Place em Aveiro. “Existem vários estudos que apontam o stress e a ansiedade como fator inibidor de performance nos atletas”, refere Filipa Costa.
Mas tanto a personal trainer como qualquer outro colega que trabalhe na área saberá, mesmo sem conhecer tais estudos, que a exaustão afeta o físico. Afinal, “o stress crónico mantém o corpo sob uma tensão constante, o que provoca dores de cabeça, pescoço e até lombar”, enumera.
É por isso que cada personal trainer tem de adaptar o seu planeamento ao estado físico e mental do atleta, “de forma exclusiva e única. Isto porque cada corpo e cada mente têm o seu próprio ritmo”, aponta Jorge Almeida.
Ou seja, mesmo que não se esteja perante um caso de exaustão, há que adaptar cada treino, garantindo a sua eficácia e segurança. Mas voltando ao estado de espírito mais fragilizado, os personal trainer do Holmes Place estão preparados para casos de menor foco, o que por si só é caso para alerta. “A atenção no treino é importante, principalmente para se manter a técnica e evitar lesões”, alerta Filipa Costa, que sabe que a segurança é primordial, sem a qual será possível pensar em performance e resultados, que são também afetados pela falta de atenção.
Devemos parar?
Do estar constantemente alerta, facilmente se passa para consequências que em nada protegem a saúde. Privação do sono, diminuição do lazer ou, visto como um todo, inconsciente negação de um saudável descanso global, são males de quem não assume a necessidade de parar.
De facto, o descanso é um dos pilares a um estilo de vida saudável e completo. Contudo, esta necessidade de descanso passa por sono de qualidade e não de ‘faltas’ aos treinos. “Se não há qualidade de sono, não há uma devida recuperação dos níveis de energia, que por consequência não se encontrarão nos patamares esperados a uma boa performance no treino seguinte”, reconhece Filipa. A PT resume: “menos energia, menos rentabilidade no treino”, rentabilidade esta que se pode refletir em técnica, velocidade, potência, força ou concentração.
A solução não está em parar os treinos e ficar no sofá
Mas se o mal é exaustão constante e não falta de sono, a solução não está em parar os treinos e ficar no sofá. Jorge Almeida tem o fundamento certo para argumentar esta ideia. “Está comprovada a eficácia do exercício físico para atingir o bem-estar mental”, garante, ao apontar as recomendações de Wallcraft. Falamos de um autor que é especializado em saúde mental e que aconselha a prática inicial de três treinos por semana, como forma de recuperar de um esgotamento mental”. Esta indicação foi escrita no livro ‘How to Rebuild Your Life After a Breakdow’. Eis mais uma prova de que este é um tema que diz respeito tanto ao foro psicológico como ao físico.
O personal trainer lembra também as palavras do professor de fisiologia na Faculdade de Desporto no Porto, José Soares, que diz que “o cansaço traz preguiça e a preguiça traz cansado”: um ciclo do qual não é fácil sair. Mas “apesar da vontade e disponibilidade mental para treinar não ser favorável, é importante começar. É assim que se quebra o ciclo”, garante o personal trainer.
Por vezes, este primeiro passo é aquele que carece de mais força e os personal trainers sabem-no. “É natural que em casos de exaustão o indivíduo se refugie na sua zona de conformo, sendo o mais natural ficar em casa. Contudo, nestes casos, constata-se que a maior dificuldade é mesmo a decisão de começar a treinar. Após o treino, a pessoa automaticamente sentir-se-á melhor – física e mentalmente.
Cada caso é um caso
Ainda assim, alertemos, cada caso é um caso e há alturas em que parar se torna de facto necessário. Contudo, na maioria dos casos, a adaptação de treinos e o acompanhamento médico aos treinos será suficiente. Como explica Filipa Costa, “existem tipos de treino mais apropriados a estas situações. Falamos do foco na postura ou alongamentos e atividades como natação, hidroterapia ou yoga”. Diz a especialista que esta são atividades “seguras e de baixa intensidade”. É que “treinos que envolvam grande esforço e concentração, nos casos supramencionados, poderão provocar uma falência mecânica no praticante.
Ainda assim, e voltando a referir que ‘há casos e casos’. Usando as palavras da personal trainer, “a mente humana é sempre soberana”. É por isso que, para alguns, atividades intensas como o boxe ajudam a superar a ansiedade e o stress. Já outras, necessitam de atividades mais serenas como o yoga. É, no fundo, algo bastante intrínseco e pessoal”.
Não parar não é ser super-mulher
No fundo, os treinos fazem parte do saber parar a frenética rotina e permitir-se a tempo para si mesmo. É pois noutras áreas que persiste a ideia de que temos de estar sempre alertas; a fantasia de que podemos fazer tudo, ser super-mulheres. E esta não é uma fantasia exclusiva de cada mulher. Também as instituições apoiam esta noção. Fazem-no sempre que ‘obrigam’ os seus funcionários a responder a tarefas que não são possíveis de se realizar somente em horário laboral.
É um mal social comum que atualmente se vive em Portugal. Entre sinais que permitem reconhecer este problema, o psicólogo da CUF Descobertas aponta a fácil irritabilidade, as alterações significativas de humor, diferentes tipos de insónia, falta de motivação ou mesmo desespero. O grande cansaço físico é também resultado deste mal que se traduz em redução da força muscular e fraqueza. Todos estes sinais, refere Álvaro Ferreira, são reconhecidos entre a comunidade de especialistas que tratam tais casos de exaustão.
A exaustão chega sem avisar
Diagnosticado o quadro clínico, o ideal é que o indivíduo se esforce por adquirir novas rotinas. Estas devem ter como foco contribuir para o bem-estar como um todo. Tal inclui os fatores físico, mental e emocional. Praticar exercício físico regular, exercícios de meditação, ter uma alimentação equilibrada e apostar nos momentos de lazer são, aos olhos do psicólogo, o essencial para combater a exaustão. “Estas boas práticas, aliadas a um bom suporte familiar e social, contribuem em muito para aliviar as tensões do dia-a-dia.
A quem requer um tratamento mais concentrado na questão da mente, a solução está na psicoterapia. É através desta ajuda profissional que se “procura ‘transformar’ o ciclo vicioso que mantém, o(s) elo(s) causador(es) de exaustão”. Daqui, passa-se a consequências nefastas para a saúde mental, aponta.
Antes de tratar, prevenir
A primeira linha de tratamento – a de adoção de um estilo de vida mais saudável, com tempo para nós próprios – serve também como lógica preventiva. Como conclui o especialista da CUF, “a necessidade de se alterarem processos nas dinâmicas sociais, familiares, laborais, são responsabilidade de todos. Estas dependem muito diretamente dos agentes económicos e políticos”. O médico acrescenta que, à psicologia clínica, resta “promover a saúde mental. Tal é feito evitando, se possível, e tratando, sempre que necessário, a ansiedade patológica e a depressão”.
Nada como começar pelo mais básico. Percorra as imagens da galeria e fique a conhecer alguns simples exercícios de respiração que a vão acalmar.
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